segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Salvo Pela Incrível Graça - A História de John Newton

John Newton era pastor de uma igreja crescente em Olney, na Inglaterra, quando compôs a letra daquele que talvez seja o hino mais conhecido até hoje – Amazing Grace(i.e., “Incrível Graça”). Newton estava satisfeito naquele contexto de vida campestre. Ele tinha uma esposa carinhosa ao seu lado, desenvolvia um bom ministério pastoral e estava cercado de pessoas amáveis. Naquele momento, Newton desfrutava de uma ótima vida. Mas, 25 anos antes, sua vida estava em ruínas.
Newton nasceu em Londres no dia 24 de julho de 1725. Seu pai, um capitão de navio mercante, o amava, porém era um homem severo e reservado. Por outro lado, a mãe de John era uma mulher atenciosa e cuidadosa. Ela lhe ensinou as Escrituras – capítulos inteiros da Bíblia de uma vez – bem como hinos e poemas. Infelizmente, a mãe de John Newton morreu, duas semanas antes que ele completasse sete anos de idade, e, pouco tempo depois, seu pai casou-se novamente.
Quando o novo casal teve seu próprio filho, ambos deram mais atenção e carinho a este do que a John Newton, de modo que John deixou-se levar pela companhia influente de garotos pervertidos, aprendendo a andar nos sórdidos caminhos que eles trilhavam. Com a idade de 11 anos, ele fez a primeira das cinco viagens marítimas na companhia de seu pai, durante a qual rapidamente aprendeu a xingar e amaldiçoar com os melhores marujos.
Entretanto, durante os cinco anos que se seguiram, John se viu forçado a refletir seriamente sobre a condição de sua alma. Certa feita faltou pouco para que John Newton embarcasse num navio de guerra que levava a bordo um amigo dele. Mais tarde, todavia, ele soube que aquele navio naufragara e que seu amigo, junto com vários outros tripulantes, tinha morrido afogado.
Aos 19 anos de idade, Newton foi obrigado a se alistar como aspirante da Marinha para servir no navio HMS Harwich. Passado algum tempo, ele desertou, foi capturado, encarcerado, açoitado a bordo do navio, fustigado com chicote de nove tiras, e rebaixado. Então Newton entrou em terrível depressão e desespero, que o levaram, por vezes, a querer se lançar ao mar e a planejar maneiras de assassinar o capitão que o humilhara. Entretanto, não demorou muito para que a situação dele mudasse, quando o capitão de seu navio fez uma permuta entre ele e marinheiros de um navio que estava preste a zarpar para a África Ocidental à procura de escravos.Também foi nessa época que Newton teve um sonho perturbador no qual ele jogava fora um anel que representava toda a misericórdia que Deus lhe reservara. Essas experiências pesaram de forma tremendamente condenatória na consciência de Newton e, por algum tempo, impeliram-no a tratar as questões espirituais com mais seriedade. Contudo, passados alguns dias, ele logo se esquecia daquilo que o levara à sobriedade e continuava sua queda vertiginosa na espiral da perversidade. Newton afirmou: “Eu geralmente considerava a religião como um meio necessário para se escapar do inferno; mas eu amava o pecado e não estava disposto a abandoná-lo”.[1]

A Época no Tráfico de Escravos

Em meados de 1700, o tráfico de escravos era um negócio lucrativo. Mais de 100 mil escravos foram trazidos para o Novo Mundo em navios ingleses.[2] William E. Phipps escreveu: “No século XVIII, a média de mortalidade dos escravos durante o trajeto [da África para algum porto no Caribe ou nos Estados Unidos, onde eram vendidos] em navios ingleses era de aproximadamente quinze por cento”.[3] Cerca de 15 mil escravos africanos morreram a bordo de navios ingleses nessa época.
Em seu novo ambiente, Newton não fez absolutamente nada para ser benquisto pelos oficiais do navio. Ele compôs uma cantiga de escárnio para ridicularizar o capitão do navio e a ensinou para a tripulação inteira. Após capturar uma lucrativa quantidade de escravos, Newton ganhou a permissão de ficar na África, ao longo da costa da Guiné, onde trabalhava para um traficante de escravos inglês que vivia com uma amante africana. Essa mulher não gostava de Newton. Quando Newton contraiu malária, ela o tratou cruelmente, com insultos e subnutrição para que morresse de fome.
Tempos depois, Newton foi injustamente acusado de roubar o traficante inglês. Ele ficou acorrentado com cadeias no convés do navio daquele homem e foi mantido com pouca comida, água e roupa. Na verdade, ele se tornou escravo daquele homem e, por ironia do destino, recebeu o mesmo tratamento com o qual eram tratadas as pessoas que tinham sido escravizadas com a ajuda dele.
Esse tormento durou um ano, até que Newton convencesse seu dono a cedê-lo para um outro traficante de escravos. Seu novo senhor tratou-o com bondade e o colocou na supervisão das “feitorias” (prisões para escravos localizadas nos portos).
Apesar dos olhos vigilantes de seu antigo senhor traficante de escravos, Newton conseguiu enviar algumas cartas para seu pai, nas quais pedia socorro. Certo dia, um navio mercante denominado Greyhound [i.e., “cão pernalta e veloz”] chegou onde Newton estava. Ele fora enviado àquele lugar por ordem do pai de John Newton. A princípio, Newton hesitou em deixar seu negócio que a essa altura já era lucrativo, mas, por fim, concordou em voltar à Inglaterra. Newton foi mantido cativo na África por 15 meses ao todo.
A bordo do Greyhound em sua viagem de volta, Newton demonstrou ser o homem mais profano e devasso do navio. Certa noite, ele estava tão bêbado, que quando seu chapéu caiu no mar pela força do vento, se outro marujo não o agarrasse pela roupa, ele teria se lançado nas águas em busca do chapéu.
Mais tarde naquela viagem, Newton folheou um dos poucos livros que havia a bordo – Imitation of Christ [i.e., “Imitação de Cristo”]. Newton começou a ler esse livro como um mero passatempo, mas, depois, passou a se perguntar o que lhe aconteceria se aquilo que nele estava escrito fosse verdade. Ele ficou com medo e fechou o livro.

Atingido Pela Tempestade

Naquela noite de 21 de março de 1748, uma violenta tempestade se abateu sobre o navio, que por pouco não afundou. Homens, animais e provisões foram arrastados pela força das águas e caíram no mar. Newton orou a Deus pela primeira vez depois de anos. Ele temia estar à beira da morte e, se a fé cristã fosse verdadeira, estava certo de que não seria perdoado. John refletiu em tudo o que fizera naqueles últimos anos, inclusive a atitude de zombar dos fatos históricos do Evangelho, e ficou abalado.
Em meados de 1700, o tráfico de escravos era um negócio lucrativo. Mais de 100 mil escravos foram trazidos para o Novo Mundo em navios ingleses.
Passados quatro dias, a tempestade diminuiu. Pela providência de Deus, a cera de abelha, que se encontrava no porão de carga, ajudou que o navio continuasse a flutuar. Newton atribuiu a Deus aquele livramento que tiveram. Ele começou a ler o Novo Testamento com mais interesse. Quando chegou à passagem de Lucas 15, John percebeu os impressionantes paralelos entre a sua vida e a vida do filho pródigo.
O navio ficou à deriva por um mês. Os suprimentos se esgotaram. O capitão culpou a blasfêmia de Newton como a causa dos problemas que enfrentavam e cogitou a hipótese de jogá-lo ao mar, à semelhança de Jonas. O navio avariado finalmente conseguiu seguir seu rumo para a Irlanda do Norte, a tempo de não ser apanhado por um vendaval que começava a ocorrer. Newton reconheceu que Deus respondera sua oração.
Ao chegarem em terra firme, Newton tomou a decisão de não mais xingar e blasfemar. Ele chegou a voltar para a igreja. Entretanto, ainda não era um crente em Jesus. Mais tarde ele declarou: “Penso que aquele foi o início de meu retorno para Deus, ou antes, o retorno dEle para mim; contudo, só considero que vim a ser crente em Cristo (no sentido pleno da palavra crente) muito tempo depois daquele momento”.[4]
Regenerado Pela Fé
Em 1749 Newton zarpou como primeiro piloto de um navio negreiro. A essa altura, ele já tinha se esquecido do compromisso que assumira e recaiu nas antigas práticas pecaminosas. Enquanto buscava escravos ao longo da costa ocidental da África, John Newton foi novamente acometido de malária, situação que o levou a refletir mais uma vez sobre a sua vida. Diante das misericórdias de Deus para com sua vida, ele estava absolutamente convicto da culpa pelos erros que recentemente cometera. Meio delirante e enfraquecido, Newton se levantou da cama e caminhou com dificuldade até um lugar afastado da ilha. Naquele local, percebendo a futilidade de tomar decisões autoconfiantes, “ele se entregou ao Senhor”, escreve Richard Cecil, “para que Deus fizesse com ele aquilo que fosse do Seu agrado. Ao que parece, nada de novo acontecia em sua mente, exceto o fato de que ele estava apto para confiar e crer num Salvador crucificado”.[5] A incrível graça de Deus preciosamente se manifestou no exato momento em que John Newton creu pela primeira vez.
Daquele momento em diante, a vida de Newton mudou gradativamente. No começo, como acontece com a maioria dos crentes, ele não percebia todas as áreas de sua vida que precisavam ser transformadas pela graça de Deus.
Por exemplo, por cinco anos, ele enfrentou lutas quanto à certeza de sua salvação. Todavia, através do encorajamento dado por outro capitão de navio, que também era crente em Cristo, as dúvidas foram vencidas, conforme Newton declarou: “Eu comecei a entender [...] e a ter esperança de ser preservado e salvo, não por meu próprio poder e santidade, mas pelo imenso poder e promessa de Deus, através da fé num Salvador imutável”.[6]
A mudança mais evidente na vida de Newton se deu na área do tráfico de escravos. Um ano antes de crer em Jesus Cristo, John Newton se tornou capitão de um navio negreiro. Nos quatro anos seguintes à sua salvação, Newton realizou três viagens com o intuito de buscar escravos na África e levá-los para serem vendidos no Caribe. Durante essas viagens, Newton liderou sua tripulação em cultos de adoração e em momentos de oração. Contudo, ele também foi forçado a sufocar rebeliões de escravos, chegando a ponto de utilizar instrumentos de tortura para apertar polegares a fim de arrancar confissões.
Mais tarde, Newton se conscientizou de que o tráfico de escravos e sua participação nele eram algo moralmente ultrajante e repulsivo. Ele afirmou: “a força do hábito, o exemplo e o interesse [comercial] cegaram meus olhos”.[7]
A partir do momento em que o Espírito Santo convenceu John Newton dos males e pecados envolvidos no tráfico de escravos, ele passou a trabalhar incansavelmente para extingui-lo num esforço de décadas. Ele foi orientador e conselheiro de um crente em Cristo mais novo do que ele, chamado William Wilberforce, o qual atuou no Parlamento Britânico. Wilberforce se tornou o mais notável e eficaz abolicionista da história da Inglaterra. Alguns meses antes da morte de Newton, ocorrida em 21 de dezembro de 1807, o Parlamento Britânico aprovou o Decreto da Abolição do Tráfico de Escravos, o que muito alegrou Newton.

A Ternura da Graça

Antes de experimentar a graça salvadora de Deus, John Newton não tinha o menor receio de xingar e proferir palavrões quando relampejava, de blasfemar contra o Deus do céu, de zombar da Bíblia, de ridicularizar a consagração a Deus, de se envolver em atos depravados, nem o mínimo escrúpulo de comprar e vender seres humanos como se fossem objetos ou mercadorias.
Entretanto, John Newton mudou completamente após a sua conversão. Mais tarde, ele se tornou pastor e exerceu o ministério pastoral por 23 anos, sempre salientando em seus sermões o tema da graça de Deus. Ele compôs e publicou centenas de hinos, inclusive o hino intitulado How Sweet the Name of Jesus Sounds [que traduzido quer dizer: “Quão doce soa o nome de Jesus”] (um nítido contraste com a época blasfema de sua vida pregressa), bem como demonstrou incessante hospitalidade em sua casa.
Ele manteve comunhão com alguns dos mais notáveis nomes do avivamento evangélico na Inglaterra, tais como George Whitefield e John Wesley; ensinou e encorajou pessoas influentes como o grande missionário William Carey, o poeta William Cowper, e o abolicionista William Wilberforce; além disso, tornou-se um dos maiores defensores do fim da escravidão na Grã-Bretanha.
Como explicar tamanha transformação na vida de um homem? Semanas antes de sua morte, já velho e debilitado, Newton explicou: “Minha memória praticamente se foi; mas ainda consigo me lembrar de duas coisas: que eu sou um tremendo pecador e que Cristo é um tremendo Salvador”.[8] (Bruce Scott - Israel My Glory - http://www.chamada.com.br)

Notas:

  1. Richard Cecil, The Works of the Rev. John Newton, 3ª ed., vol. 1, 1824; reimpressão, Carlisle, PA: The Banner of Truth Trust, 1985, 1:4.
  2. William E. Phipps, Amazing Grace in John Newton: Slave-Ship Captain, Hymnwriter, and Abolitionist, Macon, GA: Mercer University Press, 2001, p. 63.
  3. Ibid., p. 60.
  4. Cecil, p. 33.
  5. Ibid., p. 37.
  6. Phipps, p. 66.
  7. Ibid., p. 202.
  8. Ibid., p. 238.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

BILLY GRAHAM NO MARACANÃ




































Quando o grande pregador Billy Graham esteve no Estádio Maracanã, em 1974, numa cruzada evangelística, começou o seu sermão de uma forma curiosa. Ele falou mais ou menos assim:“Eu vim da América para pregar o evangelho. E olhem só que coincidência. Na primeira vez em que estive aqui, em 1960, o campeão foi o América. E agora, em 1974, o América, foi campeão de novo”.
Por que o Billy Graham usou essa ilustração na introdução do sermão? Será que ele torcia pelo time do América? 
É claro que não. Ele apenas buscou um ponto de identificação com seus ouvintes. Como norte-americano, não entendia nada de futebol, mas como estava no Maracanã e sabia que os brasileiros adoram esse esporte, recorreu a esse “gancho”. Afinal de contas, ele era da “América” e o América tinha sido campeão carioca de 1960 e vencido a Taça Guanabara de 1974. O objetivo do Billy Graham, então, não era ficar comentando o futebol, mas apenas criar um “clima” de aproximação com as pessoas que estavam ouvindo a sua pregação.

O apóstolo Paulo agiu de forma parecida quando esteve em Atenas, buscando em seu sermão um ponto de contato com os atenienses, que, na verdade, não conheciam nada do evangelho.

O evangelho em Atenas – At 17.16-34

É necessário enfatizar que antes de dirigir-se a Corinto (capital da província romana da Acaia e importante centro comercial), Paulo passou por Atenas, onde esteve pregando no Areópago.
Esta análise, então, que investiga o breve período de Paulo em Atenas, mostra a estratégia de Paulo para pregar aos gentios.

De fato, em Atenas, Paulo agiu da mesma maneira que em Listra (Atos 14:14-18), quando não citou explicitamente o Velho Testamento por causa das características de seu auditório, não inteirado dos costumes judaicos. No entanto, a leitura do texto de Atos 17:22-34 mostra que apesar de não citar nominalmente o Velho Testamento, Paulo procura ensinar aos gentios todo o plano da salvação. Observe o esboço do sermão de Paulo acompanhando os textos na sua Bíblia:

a) Paulo referiu-se à doutrina de Deus:

No sermão, mostrou que Deus é o criador — “Deus fez o mundo e tudo o que nele há, sendo ele Senhor do céu e da terra” — e não depende dos homens — “e não habita em templos feitos por mãos de homens; nem tampouco é servido por mãos humanas, como se necessitasse de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (versos 24 e 25).

b) Paulo referiu-se à doutrina do homem:

No sermão, enfatizou que todas as raças são iguais — “e de um só fez todas as raças dos homens, para habitarem sobre toda a face da terra” — e devem buscar a Deus — “para que buscassem a Deus, se porventura, tateando, o pudessem achar, o qual, todavia, não está longe de cada um de nós” (versos 26 e 27).

c) Paulo referiu-se à doutrina da salvação:

No sermão, Paulo mostrou também que todos os homens devem se arrepender — “Deus, não levando em conta os tempos da ignorância, manda agora que todos os homens em todo lugar se arrependam” — afirmando que Deus julgará a todos — “porquanto determinou um dia em que com justiça há de julgar o mundo” (versos 30 e 31).

d) Paulo referiu-se à ressurreição de Jesus:

A questão da ressurreição era o último ponto do sermão. Paulo, inclusive, ao falar de Jesus, citou-o de maneira genérica – “varão” – pois os atenienses não tinham conhecimento dos episódios que ocorreram em Jerusalém. Assim afirmou: “Deus há de julgar o mundo, por meio do varão que para isso ordenou; e disso tem dado certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (verso 31). Infelizmente, no entanto, nesse instante a pregação de Paulo foi interrompida. Para os gentios, a idéia da ressurreição era inaceitável — “quando ouviram falar em ressurreição de mortos, uns escarneciam, e outros diziam: Acerca disso te ouviremos ainda outra vez”.

A estratégia de Paulo

Bem, até aqui creio que está bem clara a estrutura da pregação de Paulo, ou seja, os pontos do seu sermão. Uma das questões mais interessantes do estudo desse texto bíblico, todavia, é a estratégia que Paulo usou para estabelecer uma ponte com os seus ouvintes.

A cidade de Atenas era famosa por seus templos e monumentos, sendo por muitos, considerada como a capital da cultura grega. E, nesse contexto, o Areópago era uma das instituições mais importantes da cidade, pois funcionava como um Conselho de Líderes, local de importantes debates.

Se observarmos bem, veremos que Paulo começa seu sermão com uma referência à religiosidade dos atenienses — “varões atenienses, em tudo vejo que sois excepcionalmente religiosos” — e destaca o Altar ao Deus Desconhecido como um ponto de partida — "Esse, pois, que vós honrais sem o conhecer, é o que vos anuncio".

Ao contrário do que muitos fazem hoje, quando pregam e desrespeitam a crença dos outros — “o Padre Cícero é do diabo” (e por aí vai) — Paulo usa uma estratégia muito mais sábia.




Assim como o Billy Graham, que adaptou o sermão à cultura dos ouvintes, Paulo também relacionou sua pregação aos costumes culturais de Atenas. Convém perceber, entretanto, uma certa adaptação feita por Paulo. Isso porque historiadores gregos - Pausânias e Filóstrato - fazem referência à existência de altares a deuses desconhecidos em Atenas. Tais referências são muitas vezes associadas à história de Diógenes Laertius acerca de altares anônimos erguidos por Epimenides (um sábio de Creta, inclusive citado por Paulo em Tito 1:12) em Atenas e arredores para afastar uma peste. Paulo então faz uma adaptação, pois ao invés de falar de deuses desconhecidos, prefere usar o singular: "Deus Desconhecido", inclusive porque não queria abrir uma “brecha” para a idolatria.

Além disso, no Areópago, ao contrário de seus sermões em alguns lugares, Paulo cita autores conhecidos de seu auditório pagão. O, já referido, filósofo Epimenides, de Creta, tinha dito acerca do deus grego Zeus: “Os cretenses, sempre mentirosos, bestas más, ventres preguiçosos, forjaram uma tumba para ti, oh santo e elevado. Mas tu não estás morto. Tu vives e permanece para sempre. Porque em ti vivemos, nos movemos e temos nosso ser”. E também cita Arato, que em um poema sobre os "Fenômenos Naturais", afirmara: “Comecemos com Zeus. Nunca deixemos de mencioná-lo, oh mortais! Todos os caminhos e todos os locais onde os homens se reúnem estão plenos de Zeus. Em todos os nossos assuntos temos que ver Zeus, porque somos também sua geração.”

Paulo, efetivamente, adapta Epimenides e Arato e afirma no Areópago de Atenas: “(...) para que buscassem a Deus, se porventura, tateando, o pudessem achar, o qual, todavia, não está longe de cada um de nós; porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois dele também somos geração.”


A comparação desses textos, entretanto, levanta uma questão: Estaria Paulo igualando o deus grego Zeus ao Deus da Bíblia? Para responder a pergunta, basta avaliar o que Paulo afirma antes e depois de citar os poetas gregos. A intenção do apóstolo foi a de fazer um "gancho" evangelístico. Ele fala de pessoas que estavam "tateando" (Atos 17:27), quer dizer, iam apalpando, como cegos, querendo achar o caminho. E aí afirma: "Chegaram bem perto, pois somos geração (não de Zeus), mas de Deus". O que Paulo faz é pegar o que os autores gregos falaram em relação a Zeus e aplicar ao Deus da Bíblia.

Para pensar e agir

Em Atenas, Paulo fala do Cristo ressurreto usando como pontos de contato aspectos da cidade e afirmativas de autores gregos. Esse "gancho cultural", que até Billy Graham usou no Maracanã, poucas vezes é usado por nossas igrejas. Na verdade, ignoramos a cultura do povo a quem pregamos, desconhecemos os filósofos e pensadores influentes, e desconsideramos a necessidade de adaptar a mensagem da salvação à realidade ao nosso redor. E o pior é que nem percebemos que Paulo agiu totalmente diferente. Sua pregação teve resultados concretos: “Alguns homens aderiram a ele, e creram, entre os quais Dionísio, o areopagita, e uma mulher por nome Dâmaris, e com eles outros” (verso 34). Que métodos vamos seguir, os nossos, ou os de Paulo?


domingo, 15 de setembro de 2013

Carta de William Lynch

Neste texto vemos um método de controle de escravos utilizado há quase 300 anos. Sua eficácia parece ter sido realmente comprovada. ATÉQUANDO?

Virginia, 1712.

Senhores:
Eu saúdo vcs, aqui presentes nas beiras do Rio James, no ano de 1712 do nosso Senhor.
Primeiro, devo agradecer a vcs, senhores da colônia da Virgínia, por me trazerem aqui.
Estou aqui para ajudá-los a resolver alguns dos seus problemas com escravos.
O convite de vcs chegou até a mim, lá na minha modesta plantação nas Índias do Oeste onde experimentei alguns mais novos, e outros ainda velhos, métodos de controle de escravos.
A Antiga Roma nos invejaria se o meu programa fosse implementado. Assim que o nosso navio passou ao sul do Rio James, nome do nosso ilustre Rei, eu vi o suficiente para saber que o problemas de vcs não é único.
Enquanto Roma usava cordas e madeira para crucificar grande número de corpos humanos pelas velhas estradas, vcs aqui usam as árvores e cordas. Eu vi um corpo de um escravo morto balançando em um galho de árvore a algumas milhas daqui.
Vcs não estão só perdendo estoques valiosos nesses enforcamentos, estão tendo tb levantes, escravos fugindo, suas colheitas são deixadas no campo tempo demais para um lucro máximo, vcs sofrem incêndios ocasionais, seus animais são mortos. Senhores! Vcs conhecem seus problemas; eu não estou aqui para enumerá-los, mas para ajudar a resolvê-los!
Tenho comigo um método de controle de escravos negros. Eu garanto que se vc implementar da maneira certa, controlará os escravos no mínimo durante 300 anos. Meu método é simples e todos os membros da família e empregados brancos podem usá-lo. Eu seleciono um número de diferenças existentes entre os escravos; eu pego essas diferenças e as faço ficarem maiores, exagero-as.
Então eu uso o medo, a desconfiança, a inveja, para controlá-los. Eu usei esse método na minha fazenda e funcionou; não somente lá mas em todo o Sul. Pegue uma pequena e simples lista de diferenças e pense sobre elas. Na primeira linha da minha lista está “Idade”, mas isso só pq começa com a letra “A”. A segunda linha, coloquei “Cor” ou “Nuances”. Há ainda, “inteligência”, “tamanho”, “sexo”, “tamanho da plantação”, “status da plantação”, “atitude do dono”, “se mora no vale ou no morro”, “Leste ou Oeste”, “norte ou sul”, se tem “cabelo liso ou crespo”, se é “alto ou baixo”.
Agora que vc tem uma lista de diferenças, eu darei umas instruções, mas antes, eu devo assegurar que a desconfiança é mais forte do que a confiança e que a inveja é mais forte do que a adulação, o respeito e a admiração.
O escravo negro, após receber esse endoutrinamento ou lavagem cerebral, perpetuará ele mesmo, e desenvolverá esses sentimentos, que influenciarão seu comportamento durante centenas, até milhares de anos, sem que precisemos voltar a intervir. A sua submissão à nós e à nossa civilização será não somente total, mas também profunda e durável.
Não se esqueçam q vcs devem colocar o velho negro contra o jovem negro. E o jovem negro contra o velho negro. Vcs devem jogar o negro de pele escura contra o de pele clara. E o de pele clara contra o de pele escura. O homem negro contra a mulher negra.
É necessário qe os escravos confiem e dependam de NÓS. Eles devem amar, respeitar e confiar somente em nós.
Senhores, essas dicas são as chaves para controlá-los, usem-nas. Façam com que as suas esposas,  filhos e empregados brancos também as utilizem. Nunca percam uma oportunidade.
Meu plano é garantido e a boa coisa nisso é que se utilizado intensamente durante um ano, os escravos por eles mesmos acentuarão ainda mais essas oposições e nunca mais terão confiança em si mesmos, o que garantirá uma dominação quase eterna sobre eles.
 
Obrigado, senhores.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A História do Hino - Sou feliz com Jesus

Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade. A minha porção é o SENHOR, diz a minha alma; portanto, esperarei nele. Lamentações de Jeremias 3:21-24

Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade. A minha porção é o SENHOR, diz a minha alma; portanto, esperarei nele. Lamentações de Jeremias 3:21-24

Pensamento: Jeremias se encontrava em um estado muito difícil. A angústia de sua alma era muito grande a ponto de dizer que era homem que viu a aflição, sua pele envelheceu e seus ossos foram despedaçados, e sua situação agora era como se estivesse sob a mira de um arco e flecha que estão atingindo-o diretamente em seu coração.

Em um determinado momento ele pára seu lamento e diz as palavras que você acaba de ler acima.

Trazer à memória o que pode nos dar esperança é extremamente importante para o cristão. O fato é que as circunstâncias podem não estar boas, porém o simples fato de olhar as as misericórdias do Senhor, que se renovam a cada manhã, deve nos trazer esperança e alegria ao coração.

Horatio Gates Spafford foi um presbiteriano convertido a Cristo através do evangelista Moody (foi um grande evangelista e avivalista do séc 19).

Horatio se tornou um advogado prospero na cidade de Chicago, mesmo depois de seu sucesso financeiro, continuou mantendo um relacionamento estreito com Moody e com um profundo interesse pelas campanhas de evangelização. Tinha apurado gosto pela musica e era devotado ao estudo das Escrituras.

Meses antes do grande incêndio que atingiu a cidade de Chicago, em 1871, Horatio tinha feito pesados investimentos financeiros em uma área que foi totalmente destruída pelo fogo. Não bastasse esse terrível abalo financeiro, Spasfford passou por uma dolorosa perda de um filho. Esta morte trouxe grande sofrimento para toda a família.

O piedoso advogado, procurando um tempo de refrigério e descanso, resolveu viajar com a esposa e as 4 filhas para a Europa, onde se encontraria com Moody e Sankey em uma cruzada evangelistica na Inglaterra, em 1873.

Em novembro daquele ano, devido a inesperados compromissos de negócios, Spafford precisou permanecer em Chicago; mas ele enviou sua esposa e as suas 4 filhas conforme já estava programado no navio S.S. Ville du Havre.

Sua expectativa era seguir viagem dias depois. No dia 22 de novembro de 1873, o navio sofreu um acidente e naufragou em 12 minutos. Dias depois, os sobreviventes finalmente chegaram em Cardiff, no Pais de Galles, e a senhora Spafford mandou um telegrama ao seu marido: “SALVA, PORÉM SÓ”. Ele perdeu as 4 filhas de uma vez só.

Com toda essa angústia Horatio escreveu uma linda música buscando trazer a memória o que podia dar esperança a ele. A alegria eterna que ninguém e nada pode roubar foi expressa por ele na música que escreveu em meio a tudo isto:
Se paz a mais doce me deres gozar
Se dor a mais forte sofrer
Oh! Seja o que for Tu me fazes saber
Que feliz com Jesus sempre sou

REFRÃO: Sou feliz com Jesus Sou feliz com Jesus, meu Senhor
Embora me assalte o cruel Satanás
E ataque com vis tentações;
Oh! certo eu estou, apesar de aflições,
Que feliz eu serei com Jesus!
A vinda eu anseio do meu Salvador
Em breve virá me levar
Ao céu onde vou para sempre morar
Com os remidos na luz do Senhor
 
 
Por Alexandre Gonçalves

A miserabilidade do homem miserável

Gosto de Romanos 7:14-25. Dos textos da bíblia sagrada é o que descreve com maior veracidade a vida de um homem de Deus. O Apóstolo Paulo vivia uma profunda agonia, um profundo conflito interior expressado neste texto. Um conflito que eu conheço muito bem e acho que todo mundo que de alguma maneira tenta servir a Deus também conhece. Pode ser que alguém se levante e diga: com certeza é um Paulo não convertido que está falando. Mas um Paulo não convertido não falaria “Graças a Deus por Jesus Cristo!”. Desejar fazer a vontade de Deus e embora tendo o Espírito Santo habitando dentro de você mesmo assim não conseguir parar de pecar é algo assustador. Parece paradoxal até. Gosto do texto que ouvi certa vez (não me lembro do nome do autor), mas que define o que eu quero dizer:

“A miserabilidade do homem miserável origina-se da descoberta da sua contínua pecaminosidade e do conhecimento de que Ele não pode esperar libertar-se do pecado que nele habita, seu desagradável hóspede, enquanto permanecer no corpo mortal”

Assustador, não acha? É bem diferente do que estou acostumado a ouvir. Você odeia o pecado, odeia pecar mas simplesmente não consegue libertar-se do pecado. Com essa consciência de fragilidade em mente fica mais fácil entender a Graças de Deus. Como diria Paulo: Graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor, porque embora que com meu entendimento eu sirvo a Lei de Deus e com a minha carne sirvo a Lei do pecado, Ele me ama do mesmo jeito, ele entende a minha fragilidade. Era difícil para eu entender como pode um Deus querer se relacionar comigo sendo eu tão falho. Hoje compreendo que o desejo de Deus de se relacionar com o ser humano é tão profundo que Ele resolveu resolver o problema enviando o seu filho para me favorecer com a graça. Não é a toa que o inferno inteiro odeia a raça humana. Vai entender porque de tanta benevolência? Miserável homem que sou, mas graças a Deus por Jesus Cristo!

“Pensava que quanto mais eu estudasse a bíblia mais eu caminharia por trilhas que me levariam ao encontro de um William espiritual, metafísico até, para não dizer místico, mas a cada dia que passa vejo que a bíblia tem me levado para o encontro de um William mais humano e muito longe de ser metafísico. Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte ?”

Romanos 7:14-25
14 Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado. 15 Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço. 16 E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. 17 De maneira que agora já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. 18 Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. 19 Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço. 20 Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. 21 Acho então esta lei em mim, que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo. 22 Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; 23 Mas vejo nos meus membros outra lei, que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros. 24 Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte? 25 Dou graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor. Assim que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado. 
 
Créditos 

terça-feira, 20 de março de 2012

Charles Henry Mackintosh

Charles Henry MackintoshCharles Henry Mackintosh, cujos iniciais “C. H. M.” são bem conhecidos por muitos cristãos no mundo inteiro, nasceu em outubro de 1820 em Glenmalure Barracks no condado de Wicklow, Irlanda. O seu pai era capitão e servira no “Highlander's Regiment” na Irlanda. A sua mãe era a filha de Lady Weldon e procedia de uma antiga família natural da Irlanda. A idade de 18 anos, o jovem experimentou um despertamento  espiritual mediante  cartas  escritas por sua irmã após a conversão dela. Recebeu a paz por meio da leitura do escrito de John Nelson Darby, “As operações do Espírito Santo”.



Se tornou especialmente importante para ele o fato de que a base da paz com Deus não é a obra de Cristo em nós, mas para nós. Enquanto jovem cristão, aceitou emprego num negócio em Limerick. Lia muito na Palavra de Deus e se ocupou assiduamente com diversos estudos. No ano de 1844, abriu uma escola particular em Westport e, com grande zelo,se ocupou do trabalho educativo.
A sua postura espiritual foi caracterizada pelo desejo de dar  a Cristo o primeiro lugar em sua vida, sem limitação alguma, e desconsiderar a obra dEle como a coisa principal. Quando, porém, notou em 1853 que o trabalho na escola o ocupou de tal forma que temia ele se tornar em seu interesse principal, desistiu desse serviço. Na sequência, foi a Dublin onde entrou em contato com John Gifford Bellet e outros irmãos. Na época começou a anunciar a Palavra de Deus publicamente tanto a crentes como a incrédulos. Nessa época já começara a escrever os seus pensamentos sobre os cinco livros de Moisés — O Pentateuco. Nos próximos anos, subsequentemente, apareceram estudos sobre todos os cinco livros do Pentateuco. Esses livros, caracterizados por um espírito assaz evangelístico, passaram a ser publicados em altas tiragens nos próximos anos.
O seu amigo Andrew Miller escreveu compara esses volumes um prefácio, onde diz com toda a razão: “A total perversão do ser humano por meio do pecado e a perfeita salvação de Deus em Cristo são apresentadas pormenorizada, clara e precisamente”. Como interpretador Charles Henry Mackintosh possuía um estilo de fácil compreensão. Sabia expressar os seus pensamentos poderosamente. Algumas de suas interpretações talvez, à primeira vista, tenham aparecido estranhas a muitos salvos, porém foram de grande ajuda a muitos leitores até hoje, por causa de sua fidelidade à Palavra de Deus e confiança em Cristo.
Charles Henry Mackintosh  era  um  grande  homem  de  fé  sempre  pronto  para testemunhar  que  Deus  o  levava  muitas  vezes  em  provas,  porém  nunca  o deixou  passar  necessidade,  enquanto  estava  Lhe  servindo  no  serviço  do evangelho sem alguma renda de trabalho material.
É  difícil  valorizar  as  consequências  de  seus  escritos.  Cartas  de  todos  os lugares do mundo chegaram até ele, expressando gratidão e  reconhecimento de suas explicações sobre o Pentateuco. Dwight Lyman Moody e Charles Haddon Spurgeon confessaram  que deviam  muitas  coisas  aos  escritos  de  Charles Henry  Mackintosh. Moody escreveu: “Charles Henry Mackintosh tinha a maior influência sobre mim”.
Assim  como  “As  notas  sobre  o  Pentateuco”,  também  os  seis  volumes “Miscellaneous Writings” (“Escritos Mistos”), sempre têm sido reeditados. É um fato  interessante  na  vida  de  Charles Henry Mackintosh,  que  o  seu  primeiro  escrito portava o título “A Paz de Deus” e que poucos meses antes de seu falecimento enviou um manuscrito ao seu editor com o título “O Deus da Paz”.

Autor:  Verdade Viva    

Por Alexandre Gonçalves

Anthony Norris Groves

Anthony Norris Groves"Oh que uma porção dobrada do seu Espírito desça sobre todas nossas sonolentas e adormecidas igrejas por toda cristandade!". Este era o desejo fervoroso de Alexander Duff, um grande missionário presbiteriano que foi colega de Anthony Norris Groves durante seu serviço missionário na Índia.
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Nascido em 1795, e tendo estudado Medicina e Odontologia em Londres, Groves tornou-se o primeiro missionário enviado pelo recente movimento dos Irmãos. Sua influência contribuiu para a criação de grupos como Christian Missions in Many Lands (“Missões Cristãs em Muitos Países”), Missionary Service Committee (“Comitê do Serviço Missionário”), International Teams (“Grupo Internacional”) e outros. Seus escritos e seu exemplo motivaram grandemente James Hudson Taylor e outros missionários do século 19.
A senhorita Bessie Paget, a quem ele se referia como “minha mãe nas coisas de Deus”, ajudou-o a confiar em Deus para a salvação. Por 10 anos, sua esposa Mary foi contra seu desejo missionário. Mas por meio da doença, e pela distribuição do dízimo da família ao povo pobre, Deus confirmou a ela que a família iria para além-mar.
Groves foi um verdadeiro instrumento nos estágios iniciais do movimento dos Irmãos e manteve íntimo contato com esses amigos até a sua morte.
MISSIONÁRIO PIONEIRO
Em 1829, a família viajou por terra, quase seis meses, de Londres a Bagdá. Groves inaugurou uma escola, estudou árabe e praticou medicina. Mas uma peste assoladora tirou a vida de sua esposa, de sua filhinha e quase causou sua morte também.
Sozinho, com três crianças pequenas em uma cidade hostil, Groves escreveu: “o Senhor tem nos mostrado hoje que o ataque repentino de minha querida esposa é peste. Penso que a infecção só pode ter vindo por mim. É um momento terrível a perspectiva de ir deixando a pequena família em tal país, nestas condições. Mas triunfa a fé que tem minha querida esposa. Hoje ela me falou: ‘a diferença entre um filho de Deus e um mundano não está na morte, mas na esperança. Enquanto aquele tem Jesus, este está sem esperança e sem Deus no mundo’”. Pouco tempo depois, Mary Groves foi para a presença de Jesus.
Mesmo enquanto lamentava a morte de Mary, Groves continuava a falar de Cristo e pouco tempo depois disso sentiu o chamado para a Índia.
Durante muitos anos na Índia, onde se sustentou como dentista, Groves ensinou líderes de igrejas sobre a volta de Cristo, trabalhou pela unificação de todo povo cristão e recomendou que os missionários vivessem modestamente, ao nível do povo nativo. Nestes assuntos, ele foi um homem à frente de sua época. Como resultado da influência de Groves, centenas de congregações locais foram iniciadas por evangelistas da Índia e missionários europeus.
Em maio de 1853, aos 58 anos de idade, Groves morreu em Bristol, na casa de George Müller, seu cunhado. Ele estava desesperadamente doente e com uma dor torturante, vinda do adiantado câncer estomacal dos seus últimos dias, mas as pessoas diziam que seu quarto era como um pequeno céu. As últimas palavras, na terra, desse estudante literário, dentista, cirurgião prático e missionário foram: “Precioso Jesus!”.
Jesus havia preenchido a vida de Groves. Seu filho Henry escreveu que a principal característica da vida de seu pai era a de um espírito generoso, de “devoção a Deus, que sua vida igualmente ilustrou”.
DEVOÇÃO E FÉ
Groves teve o desejo de cumprir toda vontade de Deus logo que ela lhe foi revelada. Ele praticou a abnegação bíblica, levando a cruz, abandonando tudo e seguindo o Senhor. Em 1829, ele argumentou sobre isso no opúsculo Christian Devotedness (Devoção Cristã). Seu tema era: trabalhar duro, gastar pouco, dar muito e tudo para Cristo. Muitos o rejeitaram por estas opiniões radicais, mas outros Irmãos compreenderam o seu espírito e usaram suas riquezas para o crescimento do reino de Deus.
Groves estava convencido de que Deus sustentaria todos aqueles que confiassem nEle. Tornou-se bastante conhecido que ele confiaria somente em Deus para sua viagem a Bagdá. As pessoas em Londres conversavam sobre sua fé. Groves esperava que pelo modo como as pessoas tinham contato com o seu trabalho, elas seriam estimuladas a dar mais para o serviço missionário. Por outro lado, ele ocasionalmente partilhava com amigos suas necessidades práticas. Por exemplo, ele escreveu a um amigo assim: “descobri que não tenho dinheiro suficiente para uma viagem planejada, então ficaria agradecido ao amigo por uma doação financeira”. Perto do fim de sua vida, ele insistiu com os cristãos ingleses para sustentarem financeiramente o trabalho na Índia.
A UNIDADE É CRUCIAL
O maior interesse de Groves era a experiência e a prática dos cristãos unidos em Cristo. Ele sentia que os princípios originais dos Irmãos deveriam ajudá-los a apreciar a união e a comunhão entre todos que possuem a vida comum da família de Deus.
Quando questionado se há princípios que possam unir crentes em adoração, mesmo quando eles têm diferentes opiniões a respeito de algumas coisas, ele respondia: “sim, existem. Fomos chamados a não saber nada entre nossos companheiros cristãos, a não ser dois fatos: eles pertencem a Cristo? Cristo os recebeu? Então nós podemos recebê-los, para a glória de Deus”.
Ele escreveu que “só existe um caminho de união: este de irmãos e irmãs com o seu Senhor e Pai, permanecendo juntos em comunhão pelo Espírito. Quando esses grandes princípios são aceitos, todas outras coisas – tal como sistema de regras de igreja – estão, acredito, totalmente subordinados”.
Em 1834, ele escreveu uma carta profética a seu amigo J. N. Darby, avisando-o de que os princípios exclusivistas que Darby pregava levariam os Irmãos a amargas divisões. A respeito de sua própria posição, ele esclarece que “alguns não desejam que eu tenha comunhão com os escoceses, a meu ver, porque a opinião deles sobre a Ceia do Senhor não é satisfatória; outros, com você, por causa da suas opiniões sobre batismo [Darby batizava bebês]; outros, com a igreja da Inglaterra, por causa da ideia deles sobre ministério. Pelos meus princípios, eu recebo todos eles”.
Ele acreditava que “nós precisamos de poder para manifestar nossa força espiritual pela nossa habilidade em suportar as fraquezas dos outros, ao invés de ser pela nossa perícia em descobrir faltas e falhas, tanto em pessoas como em sistemas”. E de Bagdá escreveu: “eu preferiria ter o Amor que pode amar em meio a mil defeitos, ao o zelo que suporta apenas um”.
Groves frequentemente reunia-se em adoração com congregações que não seguiam suas opiniões sobre a igreja. Ele defendia isto declarando: “muita vezes louvo a Deus por permitir-me sentir que pertenço a todos que pertencem a Ele. Não tenho uma chamada que me obriga a separar-me de alguma casa de fé [igreja local], por causa dos males que possam existir entre aqueles nos quais o Senhor habita e caminha. Nem tenho eu qualquer proibição contra fazer parte de qualquer uma das coisas, onde minha própria alma é edificada. Eu nunca me senti separado de um por estar unido a outro”.
ORDEM DA IGREJA
Ao mesmo tempo, Groves mantinha fortes opiniões sobre a igreja. “Por mim mesmo”, ele escreveu, “não quero permanentemente me unir à igreja que não tenha alguma regra constituída. Tenho visto o suficiente deste esquema – cada um faz o que é certo a seus próprios olhos, dizendo que foi ordem do Espírito – para estar certo de que isto é uma ilusão”.
Apesar de ter apoiado anciãos na igreja, Groves rejeitou até o fim a posição de clérigos ordenados dentro dela. Ele sustentou que a coisa importante é manter as suas "relações de corpo entre si, e não negar seu Cabeça e Pai comum, nem impedir o poder do Espírito".
Em seguida acrescentou: “eu aprovo e valorizo grandemente um ministério fixo. Mas sempre protestarei contra o exclusivo; em especial contra aquela liberdade hipócrita, que em palavras admite liberdade, mas na realidade a nega”. Neste conciso depoimento. Groves propôs à igreja o uso de um professor ou professores aprovados, contanto que esta pessoa, ou pessoas, não tentasse comandar. Ele também criticou as “reuniões abertas”, que eram dominadas pela autonomeação de anciãos ou líderes.
Ele estava convencido de que a igreja local é tão competente agora para saber quem o Espírito Santo tem qualificado para ser um ministro da Palavra, como foi o nos dias dos apóstolos. Eles podiam saber quem o Espírito havia qualificado, acreditava ele, pela confrontação da palavra falada com a Palavra escrita e pela edificação que experimentavam em suas almas. Ele cria que “um ministério declarado e reconhecido é essencial à conveniência e à ordem espiritual da igreja”.
A PRIORIDADE DA GRAÇA
Groves preocupou-se quando percebeu que, entre os Irmãos ingleses, a base original de união fraternal na verdade de Jesus havia sido mudada para um testemunho unido contra todos que se diferenciavam deles. Ele estava convencido de que a vida em Jesus Cristo, e não a luz sobre detalhes doutrinários, uniria os crentes. Três anos antes de sua morte escreveu: “sinto que o Senhor abençoará toda a grandeza que é como o Seu próprio coração, mas a estreiteza sectária, que é a glória de muitos, Ele aborrece”.
Com respeito a pessoas que escreviam autoritariamente sobre assuntos não definidos claramente na Bíblia [especificamente, pontos delicados relacionados à humanidade de Cristo], Groves exclamou: “Realmente, homens parecem loucos intrometendo-se naquilo que não é revelado. Visto que eles são mais sábios do que aquilo que está escrito [nas Escrituras], não admiro se Senhor permitir que lutem e discutam uns com os outros”.
Outra vez, sobre o campo missionário, ele escreveu: “na Índia não há portas fechadas ao testemunho de Jesus. Mas eu acredito que sempre as haverá para as opiniões fantásticas ou exclusivas do homem e para pontos abstratos da doutrina, quer relacionadas à profecia, quer relacionadas à constituição da igreja. Nesses dois assuntos, eu acredito que muitos têm perdido o rumo e a mente do Senhor. Creio que nós nunca nos diferenciaremos do conceito geral universal [amplamente aceito] da unidade em Cristo, nos quais nossa felicidade e utilidade têm se mantido associadas por tantos anos”.
Quando estava doente, e a morte apareceu por perto, Groves instruiu os obreiros cristãos indianos a “não colocarem muita ênfase sobre meras questões de batismo, sobre a volta do Senhor, ou sobre o ministério não remunerado. Eles todos têm seu lugar. Mas o assunto principal é Cristo e Sua crucificação – a graça, a plenitude e a liberdade do evangelho”.
Muitos escritores e historiadores do século 19 consideraram Anthony Norris Groves como o real fundador do movimento dos Irmãos. E. W. Blair Neatby julgou que “a simplicidade da sua fé, a profundidade de sua humildade, a energia e a pureza de seu zelo, o fervor e a extensão de sua bondade, têm sido raramente igualadas na Igreja de Deus”.

Autor:  Verdade Viva    

Por Alexandre Gonçalves